O mundo mudou drasticamente nos últimos 30 anos com o surgimento e a adoção em massa de telefones, smartphones, tablets e outros dispositivos. Nosso dia a dia passou a acontecer, em grande parte, em mídias digitais, mudando a nossa percepção do mundo e de nós mesmos. É dentro desse contexto radicalmente diferente que nasceram e cresceram os millennials, jovens nascidos entre 1982-2000 (a data exata varia de acordo com a fonte).

Diferentemente de seus pais e avós - em maioria baby-boomers que nasceram no surto demográfico pós-segunda guerra mundial e seus filhos da geração X que nasceram entre os anos 60-70 - os millennials esperam feedbacks muito rápidos do ambiente que os envolve, e buscam o senso de propósito e realização como grande motivador nas suas vidas pessoal e profissional.

A incorporação em massa da tecnologia nublou a linha entre vida pessoal e profissional, e os millenials encaram o trabalho como uma extensão natural das suas vidas particulares. Eles buscam empresas cujos valores sejam alinhados com os seus pessoais - trabalhar não mais se resume a uma forma de ganhar o seu sustento, mas passou a ser a busca por uma "experiência" com propósito e significado, sem os quais a relação fica estremecida.

De acordo com "The Deloitte Millennial Survey" realizado pela Deloitte em 2016, dois a cada três millennials esperam sair do seu emprego atual até 2020 e apenas 16% dos entrevistados que estão empregados se veem no mesmo emprego em uma década. No Brasil, os resultados de outras pesquisas reforçam essa afirmação: de acordo com uma pesquisa realizada pela Mind Miners e o Centro de Inteligência Padrão chamada "Jovens Digitais: Geração Transformadora," 71% dos millennials brasileiros afirmaram que pretendem mudar de emprego ou atividade entre 2 e 5 anos e 50% disseram esperar mudar de emprego em menos de 2 anos.

Resumindo: millennials são muito mais exigentes e muito menos apegados aos seus empregos, eles buscam propósito e escolhem o ambiente com maior fit cultural. Atraí-los e retê-los no trabalho virou um enorme desafio para empresas de todos os tamanhos e setores (alguns setores menos na moda sofrem mais que outros, claro). E eles são um "problema" que veio para ficar: a pesquisa "Millennials at Work: Changing the Workplace" da PwC, consta que até 2020 50% da força de trabalho mundial será composta por millennials. Para melhor reter esses jovens talentos é preciso primeiro compreendê-los e o que esperam dos lugares onde trabalham.

A visão millennial sobre o que é trabalho

A influência da tecnologia na vida dos millennials não pode ser subestimada. Essas pessoas foram a primeira geração de seres humanos a viverem em casas equipadas com computadores; ganharam seus celulares ainda jovens; e com 13-15 anos (ou até antes) já estavam conectadas com os seus ciclos sociais via Facebook, Twitter, e um pouco antes, MSN e Myspace.

Esse envolvimento com a tecnologia ao longo da fase de crescimento tem um papel significativo no desenvolvimento da cognição dessas pessoas. Algumas consequências se destacam: millennials se conformam menos que gerações anteriores (tendo menos lealdade às empresas e organizações), mais pessoas querem ser empreendedoras [1] e 95% dos millennials - de acordo com uma apresentação da Bersin by Deloitte - avaliam que "a cultura da empresa é mais importante que suas práticas de remuneração".

Isso mostra que os millennials vislumbram a autonomia no emprego, buscando propósito ao invés de dinheiro. Essa demanda por autonomia se canaliza em diferentes expectativas, dentre as quais eles esperam um ambiente de trabalho onde exista: uma alta integração da tecnologia; mobilidade para trabalhar e flexibilidade com o tempo; e uma cultura sustentável que se importa com o desenvolvimento do funcionário e incorpore os seus valores individuais.

Integração da tecnologia

Por serem muito adeptos a tecnologia, os millennials esperam poder usá-la no escritório. Eles enxergam a tecnologia como ferramenta fundamental para trabalhar. De acordo com a pesquisa citada anteriormente da PwC, 75% dos millennials acreditam que utilizar a tecnologia no trabalho os torna mais eficientes. Isso não significa, porém, que os gestores das empresas saibam utilizar a tecnologia.

O estudo também mostra que 50% disseram que seus gestores não entendiam sempre a forma com que eles utilizam a tecnologia no trabalho. Quando perguntados sobre a comunicação dentro do escritório, 41% constaram preferir comunicar eletronicamente no trabalho ao invés de conversar em pessoa ou pelo telefone. Isso demonstra a clara afeição dos millennials pela comunicação digital.

Mobilidade/Flexibilidade

A integração da tecnologia no trabalho é importante para os millennials, mas o local de onde podem trabalhar é crucial. A pesquisa da Deloitte em 2016 também afirmou que 88% dos millennials gostariam de ter uma oportunidade maior de começar e terminar as tarefas do trabalho, dentro do possível, nas horas em que quiserem. Ademais, 77% gostariam de ter uma conectividade móvel maior com o seu trabalho (via tablets e smartphones por exemplo) e 51% acreditam que poderiam otimizar a sua produtividade se trabalhassem de casa ou outros lugares além da sede da organização.

Millennials também demonstram exigir mais tempo para certas coisas do que outras. A pesquisa da Deloitte mostra que ao avaliar temas relacionados à dinâmica do escritório, eles tendem a acreditar que as organizações desperdiçam tempo demais com algumas coisas e enfatizam pouco outras. Por exemplo, millennials esperam dedicar 4.6 horas por semana à "discussão de novas ideias e formas de trabalhar" enquanto as organizações na média dedicam somente 3.3 horas a isso. A mesma coisa com o "desenvolvimento de habilidades de liderança": 4.5 x 2.7; e receber coaching e conselhos: 3.6 x 2.4.

Em contrapartida, millennials acreditam que muito tempo está sendo alocado a verificação de emails, portanto relataram que o tempo dedicado a essa tarefa no escritório deveria diminuir para 4.1 horas por semana, ao invés da atual configuração, de 4.8 horas por semana. Esses dados mostram como existe claramente uma deficiência na organização das empresas.

As práticas das companhias não atraem tanto os millennials, que esperam poder usar mais a tecnologia no trabalho, ir menos ao escritório e trabalhar de onde quiser e quando quiserem. Visam, portanto, empregos que estimulam ambientes ágeis e inovadores, que promovam autonomia aos funcionários e flexibilidade no executar das tarefas.

Cultura e valores

Talvez o maior desafio de atrair millennials seja ajustar a cultura da empresa aos valores deles. Isso porque millennials são atraídos por empresas que compartilham os seus valores. De acordo com a pesquisa da Deloitte, 80% dos millennials que são gestores seniors acreditam que as organizações em que trabalham representam os seus valores, essa figura sobe para 82% em relação aos que pretendem ficar mais 5 anos no emprego. Em relação a defesa de seus valores, 49% relataram não se ocupar de uma tarefa no trabalho porque ia contra seus valores pessoais e a sua ética. Entre millennials seniors, a figura sobe para 61%.

Os valores dos millennials variam, mas algumas coisas são consistentes de maneira geral. A pesquisa da Deloitte alega que os millennials "reconhecem a importância de assegurar o sucesso a longo-prazo da empresa e a habilidade da organização de apoiar e criar novos empregos." Isso mostra que esses jovens têm uma preocupação grande em assegurar um modelo de trabalho sustentável, onde todos podem ser desenvolvidos e o foco da organização não é apenas financeiro.

A pesquisa de millennials da PwC reforça essa noção, relatando que "essa geração está comprometida com o seu aprendizado e desenvolvimento pessoal e esse é o primeiro benefício de escolha que eles têm sobre seus empregadores." É importante abordar isso pois realmente existe nos millennials uma necessidade de promover uma imagem de que eles estão envolvidos em algo maior que o lucro. O estudo da Deloitte revela ainda que em lugares onde o "desempenho financeiro vem antes de qualquer outra coisa" somente 20% pretendem ficar mais do que 5 anos e que 76% dos millennials que reportam altos níveis de satisfação trabalham em ambientes onde existe uma cultura de empresa criativa e inclusiva. Dada essa nova realidade, não basta pagar bem: as empresas precisam articular e comunicar seus valores e propósito de maneira muito clara e atraente, ou arriscam não atender às expectativas da nova força de trabalho.

Isso não significa que o dinheiro seja irrelevante, mas os millennials tendem a priorizar um ambiente onde tenham mais autonomia e propósito do que um lugar que eles desgostam mas que paga bem. Para melhor avaliar isso, a pesquisa da PWC abriu um inquérito que compara quais fatores torna o empregador mais atrativo. Quando perguntado "qual dos seguintes fatores fazem da organização um empregador mais atrativo," 52% (o índice mais alto da pesquisa) afirmaram valorizar organizações que providenciam "oportunidade de progressão de carreira." Em segundo, 44% avaliaram a habilidade do empregador em providenciar "salários competitivos e outros incentivos financeiros" como o mais atrativo.

Ou seja, millennials gostam de ser bem remunerados, mas não idealizam isso como o objetivo central do local onde trabalham. Em terceiro, 35% relataram esperar uma organização que providencie "um treinamento excelente e ótimos programas de desenvolvimento" reforçando o desejo dos millennials de se desenvolverem mais a profundo no trabalho. A pesquisa da Deloitte ainda constou que 63% dos millennials empregados dizem que suas "habilidades de liderança não estão sendo totalmente desenvolvidas" no seu emprego atual, demonstrando uma falta de interesse das empresas em relação à evolução individual de seus funcionários. Em alguns países em desenvolvimento (entre eles Brasil e Sudeste Asiático) essa figura chega aos 70%.

A sensação de que suas carreiras estão sendo verdadeiramente desenvolvidas é essencial para os millennials. Os jovens mais leais aos seus empregos tendem a reportarem um alto índice de suporte de carreira e uma preocupação genuína de seus empregadores em progredir suas habilidades. A pesquisa da Deloitte reportou que entre os millennials mais leais (aqueles que esperam ficar por mais de 5 anos em sua empresa atual) a maioria afirma que "existe muito suporte e treinamento disponível aos que querem assumir papéis de liderança" em suas empresas e que "jovens empregados são ativamente encorajados a buscarem papéis de liderança". Em contrapartida, o grupo que almeja sair do emprego antes dos 5 anos entende que está "sendo descartado para posições de liderança" e que "suas habilidades de liderança não estão sendo desenvolvidas". Isso também mostra que millennials buscam ascensão dentro das empresas e almejam desafios de liderança.

Conclusão

A expansão sem precedentes da tecnologia está mudando o ramo dos negócios radicalmente, alterando a forma com que empresas se organizam e abrindo um novo leque de oportunidades de trabalho. Para reter esses jovens talentos, as empresas precisam estar prontas para fazerem grandes mudanças em suas estruturas. Mudança na utilização de tecnologia, permitir horários mais flexíveis, promover iniciativas de home office, dedicar mais tempo a implementação da cultura da empresa, buscar desenvolver os seus funcionários a fundo e alavancar os valores intrínsecos da organização são fatores essenciais na retenção de talentos millennials.

Os jovens de hoje buscam uma experiência de trabalho que realmente satisfaça seu senso de individualidade. Eles não se contentam em trabalhar e conformar à estruturas que não manifestem valores parecidos com os seus e, com a informatividade de hoje, millennials estão atentos às novas oportunidades no mercado. Portanto, é muito importante para qualquer empresa que visa reter jovens talentos entender as demandas deles e conduzir as suas vertentes para aglomerar esses pedidos. O mercado de trabalho do século XXI é um ambiente diverso e cheio de possibilidades que, em breve, será composto majoritariamente por uma geração de seres humanos que acreditam em projetos a longo prazo e que desejam entrar de cabeça no desenvolvimento das suas carreiras e das empresas de amanhã.

[1] De acordo com uma pesquisa realizada pelo Ibope e a USP em 2014, 71% dos jovens brasileiros querem empreender. De acordo com uma pesquisa da Iconoculture, 35% de millennials empregados nos EUA gerenciam um business próprio para complementar a sua renda no trabalho.