Há muita coisa que pode ser melhorada no RH e em seu entorno. Nesta segunda parte selecionamos alguns dos temas mais frequentes abordados na literatura técnica de HR, psicologia e neurociência (a teoria), bem como nas nossas interações com nossos clientes e nos benchmarks globais que estudamos (a prática), e que junto com a primeira e segunda partes compõe o embasamento da nossa metodologia, batizada de Talent Science.

Confira quais são os problemas estruturais da gestão de desempenho e o que fazer para casos de Avaliação de Tomada de Decisão e Avaliação de Crescimento e Desenvolvimento.

Quais são os problemas estruturais da gestão de desempenho?

Qual o objetivo da sua avaliação de desempenho? Essa é uma pergunta que fazemos todas as vezes que recebemos alguma empresa buscando nossa solução de gestão de pessoas. Pra sermos justos, vamos além: perguntamos sempre “qual é o objetivo da sua avaliação de performance: a tomada de decisões como promoções e mérito ou o desenvolvimento dos seus funcionários e a melhora dos seus desempenhos?”

A resposta, invariavelmente, é uma pausa de alguns segundos para reflexão, seguida da resposta: “os dois”. Achamos que os dois assuntos devem ser tratados em processos diferentes. Vamos dizer o porquê: Em primeiro lugar, as avaliações de tomada de decisão (vamos chamá-las de TD pra simplificar) e de crescimento e desenvolvimento (CD, seguindo a mesma lógica) têm clientes finais diferentes.

Avaliações de Tomada de Decisão e Avaliação de Crescimento e Desenvolvimento

TD tem como cliente o RH e a gestão da empresa: é uma forma de saber quem a empresa tem que priorizar na alocação dos seus recursos escassos, como bônus, participações acionárias, promoções e treinamentos. Por outro lado, a avaliação de CD tem como cliente o funcionário da empresa: é ele que tem que receber elementos construtivos (inputs, feedbacks, coaching de performance) que o permitam se desenvolver, planejar sua carreira e crescer (o que, segundo Daniel Pink, são motivadores intrínsecos, e mais poderosos do que os extrínsecos, como bônus financeiros).

Se os clientes são diferentes, como vamos fazer um processo de avaliação comum aos dois objetivos? Faz sentido criarmos um mesmo carro pra atender aos mercados de luxo e de serviços de vigilância? Colocarmos uma sirene na Mercedes, e bancos de couro reguláveis eletronicamente numa viatura policial? Como somos grandes fãs do design (UCD), queremos que nossas ferramentas - e os processos que dão vida a elas - sejam otimizadas para quem mais deve extrair valor delas.

Bônus e feedback de desenvolvimento

Se estudarmos a teoria por trás das avaliações de performance, veremos uma rica bibliografia defendendo a separação dos processos de CD e TD. Coens e Jenkins, por exemplo, são vocalmente defensores dessa separação em seu Abolishing Performance Appraisals: 

“The multiple purposes of appraisal can be better achieved through separate designs and processes.” 

Quando o assunto é meritocracia e promoções, os ouvidos dos funcionários se fecham para o feedback de desenvolvimento (Bock, 2015). Se você der seu feedback antes de comunicar o bônus, tudo o que seu funcionário vai ouvir é:

“blablaf salndasjndasjndk ajs kjhutf skdjans e agora vamos falar de bônus”

Por outro lado, se você der seu feedback depois do bônus/- promoção, sua funcionária já vai estar eufórica ou irritada demais para ouvir seu feedback, louca para ligar para o marido e comemorar a promoção, ou chutar a lixeira e desligar o computador.

Quando sabem que seu feedback será usado na tomada de decisões, as pessoas fazem avaliações altamente enviesadas, ou sendo mais pasteurizadas, temendo prejudicar os colegas, ou ativamente buscando influenciar o resultado das decisões por meio de feedbacks menos precisos (Smithers, 1998).

A presença de ratings taxativos, sejam eles numéricos, como “4.5”, ou textuais, como “Supera as Expectativas”, turvam o julgamento de quem dá feedback e inibem a recepção aberta dos feedbacks, mesmo que a avaliação tenha como fim apenas o desenvolvimento (Pulakos, 2005). Além disso, todos menos aqueles que recebem os melhores ratings ficam infelizes, e as conversas raramente funcionam:

”Earnestly intending to provide constructive feedback and write good development plans and goals, they find that people with less-than superior ratings are preoccupied with the numerical rating rather than the message. Except for those receiving top ratings, the good conversations they had hoped for almost never happens.” (Coens e Jenkins, 2002).

Uma avaliação de desempenho, ainda que composta por dois eixos (entrega e comportamentos) ainda assim fica aquém de fornecer todos os elementos necessários para a correta tomada de decisões de gente nas empresas, pois não leva em consideração elementos como potencial, facilidade de substituição do colaborador no mercado, a remuneração do colaborador em relação ao mercado, e o quão chave o colaborador é para a organização.

Assim, as avaliações acabam tendo de serem complementadas por extensas discussões (o famoso people day, ou xadrez de gente, construído muitas vezes informalmente como camada sobre a calibração) que tem por objetivo complementar as informações necessárias para decisões de gente mais precisas.

E então, o que deve ser feito?

Se o propósito for CD

Separe, claramente, que perguntas e temas serão explorados na auto-avaliação, na avaliação da gestora, e nas avaliações de pares: cada tipo de avaliador tem uma “especialidade”.

A gestora pode ter dois papéis possíveis: a) o de consolidadora do feedback (caso em que ele escolhe e faz a “curadoria” do que for mais relevante para o seu liderado com base em todos os inputs recebidos de pares e liderados do liderado, ou b) o de apenas mais um elemento dando inputs de desenvolvimento (caso muito comum em empresas que comparam os inputs de cada tipo de avaliador).

Gestoras devem discutir realizações, feedbacks relacionados a como atingir mais resultados, e quais devem ser as prioridades do funcionário no seu desenvolvimento; Pares devem discutir como o avaliado pode melhorar no seu trabalho no contexto da equipe; Caso sejam usadas competências, deve-se sempre que possível evitar que a auto-avaliação trate das mesmas competências que as avaliações dos outros grupos. Estudos mostram que os dois cenários - em que o funcionário se sobre-estima e em que o funcionário se subestima - trazem resultados subótimos para o desenvolvimento do avaliado: o funcionário relaxa ou se desmotiva (Smither, 1998).

Se forem usadas competências, evite ratings numéricos a qualquer custo, e prefira escalas simples, como as binárias (em que há espaço para melhora ou em que o funcionário já esteja “dominando” o comportamento). Como não há necessidade de comparação de funcionários diferentes, e sim apenas de dar insumos de desenvolvimento, as escalas de 3, 4 ou mais notas perdem a sua razão de ser. Tudo bem chamar a reunião final do processo de feedback.

Se o propósito for TD

Quando o assunto é tomada de decisões, o objetivo do processo é criar diferenciação suficiente entre os funcionários. Aqui, não vamos discutir os méritos do uso de competências e nem o uso de metas como aproximações de performance; Use uma escala quantitativa, que possibilite a geração de diferenciação entre funcionários comparáveis.

Lembre-se que áreas e atividades diferentes possuem métricas e dias de trabalho diferentes: faz sentido mensurar um vendedor por sua produção (vendas em R$), mas faz muito menos sentido tentar quantificar a contribuição de um engenheiro em um time multidisciplinar. Tentar adaptar um processo único para todos será um enorme tiro no pé.

Tome muito cuidado com avaliações multi-input quando o propósito é TD: elas podem atrapalhar - e muito - a colaboração e o trabalho em equipe. Humanos são seres inteligentes e adaptativos, e tentarão manipular os resultados de um jeito ou de outro.

Não chame a reunião final de processo de feedback: ela não é um feedback, e sim, na melhor das hipóteses, uma reunião de comunicação dos resultados. Chamá-la de feedback vai acabar com o clima quando o assunto for realmente um feedback.

Se o propósito for misto

Deixe bem claro quais perguntas formarão o feedback, e portanto, serão usadas apenas para fins de CD, e quais perguntas serão usadas para fins de TD. Se possível, isole os inputs de pares apenas ao tema de CD. 

  • Inclua perguntas na avaliação que deem aos tomadores de decisão elementos claros sobre todos os eixos importantes dos seus talentos: entrega, aderência cultural, potencial;
  • Faça duas reuniões distintas, como o Google, para comunicar os resultados de cada um dos objetivos: uma primeira para o comunicado das decisões tomadas (como promoções e bônus) e outra, se possível um mês ou mais depois, para de fato a troca de feedbacks e a conversa de desenvolvimento.

Pense 1000 vezes antes de comunicar ratings às pessoas: quem está no topo dos ratings fica feliz, e quem está na base precisa ser indiscutivelmente comunicado de que está entregando pouco; mas os outros - o grande meio - sinceramente não têm motivos para ficarem felizes sabendo que lá estão, a não ser que sua empresa faça um trabalho primoroso, e nunca antes visto, de convencimento dos funcionários de que ser média, em uma empresa “de tantos talentos”, já é um grande feito.

Mas não é atrás de melhorias incrementais que você está atrás, portanto, vamos em frente, pois ainda temos muito trabalho a fazer. 

E então, o que achou deste texto? Esse material foi retirado do nosso e-book Talent Science. Se você deseja acompanhar o material completo, basta fazer o download abaixo!