Quando nos referimos a sucessão em trajetórias de carreira técnicas ou funcionais normalmente não estamos falando de sucessão de pessoas ou de posições, mas sim de sucessores capazes de absorver o conhecimento técnico ou funcional e dar continuidade aos projetos estratégicos da organização.

Nesse caso, quando olhamos para o mapa sucessório pensamos em pessoas capazes de crescer tecnicamente ou funcionalmente em áreas críticas de conhecimento para os negócios ou estratégias da organização. O mapa sucessório pode ser organizado por tecnologias críticas, áreas de conhecimento, por projetos de desenvolvimento ou outros critérios críticos.

A identificação de pessoas para o processo sucessório se dará em função do ritmo de desenvolvimento e dedicação da pessoa e de sua disposição para investir na carreira técnica ou funcional. Essas pessoas necessitarão de incentivos para aperfeiçoamento em seu conhecimento técnico ou funcional e uma estrutura de reconhecimento e valorização desse conhecimento. Uma prática que cresce nesse tipo de organização são os trabalhos de tutoria (algumas organizações chamam de mentoria técnica).

A ocupação de posições ou acesso a desafios de maior complexidade é essencial para o desenvolvimento dessas pessoas.  Verificamos que isso não ocorre de forma natural é necessário estruturar esse processo para que, quando a organização necessitar, tenha a sua disposição pessoas preparadas.

O processo de preparação pode envolver uma parte da capacitação da pessoa fora da organização, através de estímulos e suporte a cursos técnicos ou a programas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e/ou doutorado acadêmicos). Há outra parte que é a transmissão de conhecimentos de pessoas mais sêniores para as pessoas indicadas para sucessão. A parte interna de preparação irá exigir tempo das pessoas transmissoras do conhecimento e das pessoas receptoras do conhecimento. Esse tempo é significativo e pode ter influência nas operações da organização. Por essa razão são poucas as organizações que conseguem estruturar esse processo de forma adequada.

Por ser um processo custoso é muito importante que a organização tenha claro que áreas do conhecimento são cruciais para o intento estratégico e para a perenidade do negócio.

Aprendizados com os processos sucessórios em trajetórias técnicas e funcionais

Ao acompanharmos processos sucessórios nessas trajetórias de carreira obtivemos muitos aprendizados, mas gostaria de destacar dois deles, para nós os mais significativos.

O primeiro foi em uma empresa de tecnologia brasileira com operações internacionais e durante três anos tentamos viabilizar um programa de tutoria para transmitir conhecimentos críticos. Elegemos como público-alvo as pessoas mais próximas da decisão entre as trajetórias gerencial e técnica, pessoas que estavam na forquilha do “Y”, todas as pessoas eleitas já possuíam nível de mestrado e 40% de doutorado. Os tutores dessas pessoas eram pessoas nos níveis mais elevados da carreira técnica e com previsão de aposentadoria nos cinco anos seguintes. Tinham como missão fazer a transferência de conhecimentos críticos.

Se perguntássemos aos tutorados se possuíam uma visão sistêmica da tecnologia envolvida nos produtos da organização, todos diriam que sim, mas, ao longo do processo de orientação e transmissão de conhecimentos, perceberam que não tinham essa visão sistêmica. Esse fato surpreendeu a todos os envolvidos no processo, tanto os membros de minha equipe e eu quanto as pessoas da organização que estavam coordenando o processo.

Analisando o que havia ocorrido levantamos algumas possibilidades e a mais provável é que as pessoas tiveram uma formação ampla em seu curso de graduação, ao entrarem na organização foram se especializando em algumas áreas e atividades tecnológicas, quando foram realizar o mestrado e doutorado continuaram focados em suas especialidades. Sem perceber foram perdendo a visão sistêmica e não se deram conta porque estavam atendendo as demandas da organização, que exigia foco na especialidade, e porque formaram uma rede de relacionamentos dentro da especialidade onde atuavam.

Essa constatação nos levou a algumas reflexões sobre a mobilidade das pessoas em trajetórias técnicas e funcionais, as quais compartilhamos a seguir.

Nicho de trabalho e de especialização

Os profissionais em trajetórias técnicas e funcionais são levados a buscar um nicho de trabalho e de especialização. Isso é importante para criar identidade profissional, segurança e referências para o desenvolvimento. Ao fazê-lo obtêm um crescimento mais rápido em suas carreiras porque conseguem mobilizar seus conhecimentos e habilidades de forma cada vez mais complexa. Em que momento devem voltar-se novamente para incrementar uma visão sistêmica sobre sua atividade? Essa é uma questão importante, porque se não fizerem esse movimento correm o risco de limitar seu desenvolvimento na trajetória técnica ou funcional.

Visão sistêmica

Para organizações de base tecnológica essa visão sistêmica é crucial. Quando a organização está nascendo é natural que as pessoas desenvolvam essa visão, porque estão trabalhando ou interagindo com o processo como um todo, mas quando passa a assumir uma dimensão muito grande o conhecimento técnico ou funcional torna-se mais denso e há maior exigência de especialização. De outro lado, o fato de a organização não possuir, em seus níveis mais elevados da trajetória técnica ou funcional, pessoas com visão sistêmica da tecnologia pode representar um grande risco para o negócio.

Trajetória gerencial

Os participantes do processo de preparação tinham em mente a trajetória gerencial, em nossa consulta inicial 72% tinham preferência pela trajetória gerencial. Isso se deve ao fato desses profissionais terem os seus gerentes como modelos, pois não tinham um contato regular com profissionais técnicos em níveis mais avançados na trajetória.

Após os trabalhos de tutoria, apenas 15% continuava com a preferência pela trajetória gerencial. O contato com profissionais mais experientes criou um outro modelo de referência, embora a organização tivesse de forma bem especificada a trajetória técnica, seus níveis e padrões salariais, os profissionais técnicos não tinham ideia sobre o que era ser um profissional mais graduado nessas trajetórias.

Por meio dessa experiência procuramos verificar se o mesmo ocorria em outros tipos de organizações e constatamos fenômenos semelhantes. Essa constatação reforçou a ideia de maior espaço político para os profissionais que estão nos braços técnicos ou funcionais do “Y”. Na experiência analisada, se os profissionais mais experientes fossem os responsáveis pelo desenvolvimento dos profissionais técnicos ou funcionais, haveria uma melhor dosagem entre o conhecimento altamente especializado e a visão sistêmica.

Ao subordinar inteiramente os profissionais técnicos aos gerentes, eles direcionam os esforços da equipe em função dos resultados que necessita apresentar. Desse modo, o foco vai privilegiar o curto prazo em sacrifício do longo prazo. Em uma empresa que vive da inovação tecnológica isso pode resultar em um gradativo enfraquecimento, sem que ela se dê conta.

O segundo aprendizado foi a resistência cultural da organização ao processo de escolha e preparação dos sucessores técnicos e funcionais. A escolha foi inicialmente através da indicação dos gestores e posteriormente referendada pelos tutores. A primeira constatação é que se conhecia pouco das pessoas que atuavam nas trajetórias técnicas e funcionais. Muitas das pessoas pensadas pelos gestores para sucessão técnica e funcional eram as pessoas que também indicavam para serem seus sucessores.

Quando foi iniciado o processo de tutoria os gestores ficaram surpresos com o tempo a ser dispendido no processo. Na organização onde realizávamos os trabalhos os conhecimentos a serem transmitidos eram de grande complexidade, por essa razão foram eleitas pessoas com uma boa e sólida formação técnica e teórica. Para transmitir esse conhecimento eram necessárias reuniões semanais de 2 a 4 horas de duração por um período de dois anos. Isso implicava que tutor e orientado se ausentariam de suas posições de trabalho e os gestores não estavam preparados para tanto.

Nessa experiência o grande problema para viabilizar o processo foi a resistência dos gestores que, naquele momento, estavam muito pressionados por resultados. A viabilização do processo demorou um longo tempo e se deu a partir do momento em que se obteve uma negociação com os gestores em relação à forma e ao conteúdo do processo de preparação das pessoas.

Recomendações para o aprimoramento desses processos

Observando as experiências em empresas americanas e europeias, o processo sucessório nas trajetórias técnicas e funcionais deve envolver tanto o corpo gerencial quanto o corpo técnico/funcional mais sênior da organização. O processo de preparação é mais longo e custoso e, por essa razão, as pessoas indicadas para a sucessão devem ser pessoas com grande possibilidade de se realizar na trajetória técnica ou funcional e de permanecer na organização.

A permanência na organização é algo importante porque terão acesso a conhecimentos críticos para o negócio e se a organização atua em um setor muito competitivo a perda dessas pessoas pode representar um golpe duro para o seu processo de geração de inovações e manutenção de diferenciais. Nesses casos é comum haver contratos de sigilo e uso do conhecimento fora da organização.

A participação dos profissionais mais sêniores nos processos de desenvolvimento das pessoas nas trajetórias técnicas e funcionais deve se iniciar mais cedo, para quando a pessoa chegar no momento de decisão entre a trajetória gerencial ou técnica/funcional esteja mais madura.

Finalmente, uma fragilidade que encontramos em quase todas as organizações com carreiras em “Y” é um baixo nível de informação sobre as pessoas que atuam nas trajetórias técnicas e funcionais. Por essa razão uma trajetória bem definida, com critérios de ascensão claros pode ajudar a organização monitorar a evolução das pessoas nessas trajetórias.

E um dos casos investigados os profissionais em cada degrau da carreira são continuamente avaliados e posicionados em uma classificação de 1 a 4, onde é avaliado o nível de atuação da pessoa e 1 indica que a pessoa está amadurecendo naquele nível de complexidade, 2 a pessoa já está madura no nível, 3 a pessoa já tem condições de suportar níveis maiores de complexidade e 4 a pessoa já está atuando em níveis de maior complexidade, normalmente já incorpora atribuições e responsabilidades do nível acima.

Onde se avalia, também, o quanto a pessoa preenche os níveis de conhecimento e preparo exigidos pela posição e 1 indica uma pessoa que não tem toda capacidade necessária para a posição, 2 indica que a pessoa já detém toda a capacidade exigida pela posição, 3 indica que a pessoa excede as exigências para a posição e 4 a pessoa já preenche as capacidades exigidas pela posição acima.

O exemplo citado permite à organização um acompanhamento do desenvolvimento das pessoas em cada degrau da carreira. O fato de ter criado critério para esse enquadramento propiciou seu aperfeiçoamento ao longo do tempo, ou seja, hoje possui critérios bem refinados e aceitos por todos como legítimos e bons indicadores de ações de investimentos e desenvolvimento dos integrantes dessas trajetórias.