Na semana passada, publicamos uma entrevista com Camille Fournier, ex-CTO da startup americana Rent the Runway, em que falamos sobre gestão em equipes técnicas, times multi-funcionais e sobre a dificuldade de se formar bons gestores de pessoas em áreas de produto. Nessa semana, nosso fundador, Francisco Homem de Mello, fala com Jeremie Harris, fundador da startup canadense SharpestMinds, que está em busca da melhor forma de se contratar cientistas de dados em começo de carreira.

A SharpestMinds funciona como um processo seletivo “cego”, em que muito mais valor é dado para os conhecimentos e habilidades do cientista, em vez de para suas credenciais, como formação, notas ou experiências prévias. A startup segue uma tendência sobre a qual já falamos aqui no blog em Como Entrevistar Engenheiros de Software, em que Ammon Bartram, da startup americana Triplebyte, falou sobre o processo seletivo criado por ela com o objetivo de diminuir consideravelmente a quantidade de falsos negativos nos processos seletivos de desenvolvedores.

Mas o valor da empresa não se limita ao processo seletivo: o caminho de seleção é repleto de desafios e projetos que o candidato realiza junto com a empresa, numa jornada que de fato melhora as chances - e o preparo - de cada candidato.

Sobre a SharpestMinds

Kiko: Conta um pouquinho pra gente o que fez você fundar a SharpestMinds, e qual a sua visão para a empresa...

JH: Nós percebemos que as empresas a frente da curva em inteligência artificial  tratam o processo de recrutamento de forma muito diferente das demais. Todas as empresas que lideram em ciência de dados e machine learning - como o Facebook, Google, Airbnb e a Amazon - tem operações de recrutamento muito ativas em universidades.

Essa é a arma secreta deles: ao contrário de empresas que sofrem para encontrar talentos de alta performance em machine learning, eles são capazes de capturar novos talentos rapidamente, atraindo recém graduados (e até alguns estudantes) através de estágios e ofertas de trabalho.

É uma enorme vantagem, e há dois motivos pelos quais eles conseguem fazer o que os outros não conseguem: primeiro, eles tem a habilidade de alcançar muitos estudantes através de parcerias com laboratórios e universidades. Além disso, eles tem já tem expertise suficiente em deep learning e ciência de dados para ter confiança em seus processos de seleção de candidatos.

Nossa visão é fazer com que startups que ainda não atingiram o nível do Google, ainda possam competir para ter acesso aos melhores candidatos antes de todo mundo. Acreditamos que o acesso ao talento precisa ser democratizado, e uma parte enorme desse objetivo está ligado a oferecer um único processo robusto e altamente eficiente de seleção de candidatos que qualquer empresa possa utilizar como base a medida que estabelece ou aumenta seu times de machine learning.

Sobre o processo de contratação

Kiko:  Qual a diferença entre contratar um cientista de dados e um engenheiro de software?

JH: Uma coisa boa dos cientistas de dados é que existem formas muito objetivas de medir sua performance. Fazer um benchmark de conjuntos de dados é ótimo, porque eles permitem que você determine que alguém está nos top X% de seus colegas naquela tarefa específica.

Mas outra diferença essencial é que a ciência de dados é, por natureza, mais aberta do que o desenvolvimento de software. Você pode entregar um conjunto de dados para uma pessoa e pedir que entreguem todos os insights que puderem, sem ser mais específico. A habilidade de encontrar novas formas de extrair valor daquele mesmo conjunto de dados é um atributo chave que você buscar em um cientista de dados, já que frequentemente há mais valor "escondido" nos seus dados do que você imagina.

Kiko: O que diferencia os melhores candidatos de ciência de dados? Quão importantes são credenciais x habilidades x experiência?

JH: Credenciais e experiências são aproximações de habilidade. Nós não nos importamos com elas de forma alguma.

Todo nosso processo é feito sem levar em consideração o histórico dos candidatos, no sentido de que não nos importamos se alguém tem um PhD do MIT ou se largou o ensino médio, contanto que eles sejam incríveis em machine learning (e especificamente deep learning), e se viram com um conjunto de dados.

Obviamente somos enviesados, já que nosso time consiste majoritariamente de pessoas que largaram o curso de física e aprenderam deep learning por conta própria. Mas de várias formas, isso nos deu insights que muitas empresas não possuem. Nós acreditamos que com os recursos disponíveis na rede, qualquer um pode aprender a ser um desenvolvedor de machine learning eficiente. Não é algo fácil, mas tornar-se pronto para a indústria por conta própria é definitivamente possível - tudo que você precisa é open-source - as ferramentas, os estudos, e até computadores estão se tornando mais acessíveis.

Kiko: Para engenheiros de software, é fácil achar talento para o topo do funil de um processo seletivo: é só ir para cursos de ciência da computação ou engenharia da computação. Mas não existe, até onde eu sei, uma graduação em ciência de dados. De onde esses candidatos estão vindo? Matemática? Estatística?

JH: Muitos dos melhores engenheiros de machine learning e cientistas de dados vieram de outras áreas. Apesar de alguns cursos de ciência de dados estarem aparecendo recentemente (existe um grande esforço nessa direção do Canadian Vector Institute, e outras instituições acadêmicas como a Berkeley), eu diria que a maioria dos melhores candidatos ainda vem de lugares variados e pouco convencionais.

Nós com certeza vemos muitas pessoas que estudaram física, estatística e matemática que se tornaram ótimos desenvolvedores de machine learning. O principal desafio acaba sendo  da parte de desenvolvimento e operações - eles tem que conhecer os detalhes do desenvolvimento de software para implementar modelos escaláveis e "brincar" com grandes conjuntos de dados.

Por outro lado, pessoas formadas em engenharia e ciência da computação em geral já conhecem o lado de desenvolvimento e operações, e precisam passar mais tempo aprendendo a matemática por trás de algoritmos clássicos de machine learning e deep learning.

Então definitivamente é uma mistura. Há  muito mais gente capaz de ter alta performance nessa área do que se pensa (o que é um dos motivos pelos quais somos fãs do que está sendo feito na Fast.ai).

Kiko: Seu programa leva tempo, durante o qual você prepara os candidatos para o "mundo real". Existe uma dissonância entre o output de universidades renomadas e as necessidades das empresas?

JH: Universidades e faculdades estão, em grande maioria, criando pessoas que conseguem escrever estudos mas nem sempre sabem escrever código limpo e funcional.  E isso faz total sentido - professores enfrentam o clássico "publique ou morra" incentivo da academia, e encorajam seus alunos a pensarem da mesma forma. Eles raramente demonstram o mesmo interesse em resolver problemas do mundo real que tem em publicar seu trabalho na Nature ou NIPS.

Felizmente, muitos alunos entendem isso e agem para garantir que possam escrever códigos de produção legíveis e eficientes. Mas, em sua maioria, não estão aprendendo isso na escola.

Sobre a alta concorrência

Kiko: Todos nós sabemos quão competitivo o mercado é para talentos de alta qualidade. E eu sei que a  SharpestMinds tem um processo seletivo rigoroso, que visa filtrar os top 5% candidatos. O que leva um candidato a não aceitar uma entrevista com, por exemplo, o Google (o caminho de menor resistência) e passar pelo programa da SharpestMinds (maior resistência)? Em outras palavras, como que qualquer pessoa implementando um processo seletivo rigoroso pode garantir que não está selecionando os candidatos mais "desesperados"?

JH: A resposta curta é: você precisa se tornar a opção mais atraente.

Recém-graduados e estudantes que se tornam membros da SharpestMinds tem três enormes vantagens.

Primeiro, eles são selecionados e entrevistados por nós, o que significa que não precisam passar por todos os passos convencionais da contratação/avaliação das empresas. Nossos candidatos geralmente passam direto para as entrevistas finais. As organizações ganham tempo com isso, mas é ainda melhor para os estudantes, já que uma única rodada de entrevistas pode te colocar na porta de 3 a 10 empresas.

A segunda vantagem é que eles podem começar a trabalhar antes de se formar. Nosso foco em descobrir talentos cedo se estende a conectar negócios com estudantes antes que eles tenham se formado. Nossa infraestrutura pode acomodar colaboradores presenciais, remotos (home office), meio período ou full-time. Que é o que você precisa se está realmente tentando conseguir os "googlers" antes do Google.

Finalmente, os membros da SharpestMinds fazem parte de um ecossistema de desenvolvedores e recém-graduados que proporciona acesso exclusivo aos recursos que eles precisam para ser bem sucedidos.

Também há claros indicadores de que estamos efetivamente selecionando candidatos excelentes: nosso último grupo de inscritos inclui ex-estagiários da Google, Apple, NASA e da Tesla Motors. Então estamos capturando a nata da nata convencional, mas também estamos descobrindo que existe um número surpreendente de talento de alto potencial escondido por aí, que todo mundo perde porque conta da necessidade de experiência prévia (de novo, só uma aproximação do que realmente queremos, que é habilidade de fato).

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