Depois de anos estudando OKRs, posso afirmar que 99% do conteúdo disponível por aí mais atrapalha do que ajuda quem quer aprender a usar essa metodologia para impulsionar o desempenho da sua organização.
As pessoas responsáveis por esses conteúdos claramente tinham boas intenções e fizeram um ótimo trabalho em popularizar a metodologia de OKRs. Mas os exemplos que elas dão geram mais dúvidas do que sanam, e por vezes, contribuem para a implementação incorreta das OKRs.
Nesse artigo, vamos analisar 3 conteúdos super populares de aprendizado de OKRs e identificar suas falhas.
Rick Klau e o vídeo da Google Ventures
Tudo "começou" com o vídeo da Google Ventures[1],Startup Lab Workshop | How Google sets goals: OKRs, em que Rick Klau apresenta a metodologia para a comunidade GV. A apresentação (que já foi vista mais de 600 mil vezes no Youtube) é baseada na que John Doerr originalmente fez em uma reunião de comitê do Google, em 1999. Nela, Doerr usa a metáfora de um time de futebol americano para ilustrar como OKRs permeiam uma organização. O primeiro exemplo, tirado diretamente da apresentação de Doerr, é o seguinte:
O gerente-geral do time tem a seguinte OKR:
- Objetivo: Gerar $$$ para os acionistas
- Key Results: (i) Ganhar o Superbowl e (ii) Preencher 88% dos lugares nas arquibancadas
O Objetivo é muito amplo e nada inspirador. Ninguém quer trabalhar para uma empresa cujo único objetivo é gerar lucro para shareholders. Preencher arquibancadas também não é uma forma de mensurar se o gerente-geral gerou lucro. Lugares podem ser preenchidos se ele distribuir ingressos de graça, ou vendê-los com um desconto enorme. O mesmo pode ser dito sobre o Super Bowl. Podemos reescrever esse OKR da seguinte maneira:
- Objetivo: Aumentar vendas com lucratividade
- Key-Results: (i) Aumentar a venda de ingressos para U$ 150 milhões, (ii) Alcançar uma margem de lucro de 15% e (iii) Terminar o ano com U$ 50 milhões de caixa livre gerados
Doerr então desdobra a OKR que mencionamos, do gerente do time, para o técnico principal e o VP de relações públicas:
- Objetivo do técnico do time: Ganhar o Super Bowl
- Key-Results: (i) Passar um ataque de 200 jardas, (ii) Ser o terceiro em estatísticas de defesa, (iii) Média de retorno de punt de 25 jardas.”
Caramba, isso é péssimo. Pra começar, esses Key-Results não ajudam a mensurar se ganharam o Super Bowl. Você pode atingir todos esses resultados e ainda não ganhar o campeonato. Você também pode argumentar que "Ganhar o Super Bowl" não é um Objetivo, mas um Key-Result, que mede "excelência" ou algo do tipo. Por isso odeio metáforas esportivas. Aprender a "implementar" OKRs num time de futebol americano dificilmente vai ajudar alguém a implementar a metodologia numa empresa.
O mesmo vale para o Objetivo desdobrado para o VP de Relações Públicas: "Preencher 88% das arquibancadas". Isso não é um Objetivo, que deve ser qualitativo, mas um Key-Result, que parece uma meta SMART. O Objetivo poderia ser "Aumentar a popularidade do time" e poderia ser medido pelos seguintes Key-Results:
- Preencher, em média, 88% das arquibancadas do estádio do time durante a temporada
- Aumentar o número de menções (Twitter, Facebook, and Instagram) em 25%
- Aparecer 15 vezes nos maiores veículos de imprensa esportiva
Isso seria um pouco melhor. Todos os Key-Results medem a habilidade do VP de aumentar a popularidade do time. E a OKR como um todo claramente contribui para "gerar lucro para o dono".O segundo exemplo questionável utilizado é o seguinte:
- Objetivo: Desenvolver um modelo funcional para planejamento, mensurado por
- Key-Results: (i) Acabar a apresentação dentro do horário, (ii) Completar uma amostra de um conjunto de OKRs de 3 meses, (iii) Conseguir aprovação da gerência para instituir um sistema de teste por um período de 3 meses
Todos podemos concordar que isso não é um Objetivo, e sim um projeto. A ideia do projeto é implementar OKRs, e seus milestones são 3 esforços, e não resultados. Como já mencionamos, OKRs e projetos devem coexistir no sistema de gestão da empresa, mas também devem ser diferenciados com clareza. OKRs se referem à resultados de negócio. Projetos são esforços sérios que podem levar a resultados de negócio. Eles devem ser monitorados e administrados, mas completar um projeto não pode ser confundido com um resultado de negócio.
Por outro lado, um ponto positivo do exemplo é que Doerr e Klau descrevem Key-Results como formas de mensurar se o Objetivo foi alcançado. Podemos inferir isso lendo a porção final do Objetivo, em que é escrito "[...] mensurado por...". No entanto, "acabar a apresentação dentro do horário" não é um resultado de negócio.
Em um tweetstorm, Klau afirmou que o conteúdo do vídeo original estava datado pelos diversos aprendizados que ele ganhou desde então, e direcionou seus seguidores para a página sobre OKRs no site Re:work, da Google– que, na minha opinião, é ainda pior – como uma fonte de conteúdo atualizada.
Google’s re:Work
Sobre escrever bons Objetivos, o blog de RH do Google sugere que você "use expressões que comuniquem conclusões e estados, ex: 'Escalar a montanha' e 'Comer 5 tortas'". Que escolha péssima de exemplos. Eles fazem um desserviço a quem quer aprender sobre OKRs.
Primeiro, se são alguma coisa, esses exemplos se parecem mais com Key-Results. Eles não são qualitativos, e eles não poderiam ser pareados com Key-Results que mensurem se esses objetivos foram atingidos. O que poderia ser um Key-Result de "Comer 5 tortas"? "Sentir 5 tortas chegar no meu estômago"?
Segundo, elas simplesmente não fazem sentido. É muito melhor usar OKRs de uma empresa como exemplos, porque, é assim, afinal, que a metodologia pode ser aplicada para atingir os melhores resultados.
OKRs e o 50 Cent
Já falamos sobre OKRs de futebol americano e OKRs de sobre comer tortas. Finalmente, vamos falar sobre OKRs de rap.
Em um artigo recente, Tren Griffin, um investidor/autor que atualmente trabalha na Microsoft, cita a competição do 50 Cent com o Kanye West como uma oportunidade de aprender sobre OKRs.
Ele usa a seguinte OKR para ilustrar as ambições do 50 Cent antes de lançar o álbum Curtis:
- Objetivo: Independência – nunca trabalhar para outra pessoa de novo; Ficar rico ou morrer tentando (Get rich or die tryin, que é o título de um disco de Fiddy)
- Key-Results: Vender mais álbuns que o Kanye em uma semana
Bom, outro exemplo confuso. O Objetivo, mesmo que aceitável pelo ponto de vista "qualitativo", parece mais uma declaração de visão, muito grandiosa e de longo prazo. Objetivos devem melhorar algo específico, e não ser um guia de como a organização (nesse caso, o rapper) deve operar.OsKey-Results também não ajudam muito. "Vender mais álbuns que o Kanye em uma semana", superficialmente, é um Key-Result razoável: é bastante mensurável. O problema é que não ajuda a mensurar se o Objetivo foi alcançado. O 50 Cent poderia ter vendido 2 álbuns e o Kanye 1. O Key-Result seria alcançado, mas não se traduziria em independência financeira. Mas "Fique rico ou morra tentando" é uma bagunça. Não é mensurável de forma alguma. Quanto dinheiro ele precisaria para "ficar rico"? Se fosse mensurável, poderia até ser usado como um Key-Result para independência financeira.Eu odeio metáforas para OKRs, mas se tivesse que reescrever as OKRs que Griffin usou no texto sobre o 50 Cent, elas seriam:
- Objetivo 1: Aumentar a independência financeira
- Key-Result: (i) Aumentar o patrimônio líquido em U$ Y million e (ii) Alcançar uma renda mensal de U$ Z million
- Objetivo 2: Vender mais que o álbum Graduation do Kanye
- Key-Result: Ultrapassar as vendas da primeira semana de lançamento do álbum Graduation durante a primeira semana de lançamento do álbum Curtis.
O que fizemos foi definir Key-Results apropriados (que são mais como metas SMART) e dividi-los em dois, para que os KRs realmente mensurem o atingimento dos Objetivos.
Chegamos ao fim do nosso artigo. Eu espero, sinceramente, que você esteja menos confuso em relação à OKRs do que quando começou. Se você tiver algum comentário, mande um email para kiko@qulturerocks.com. Eu realmente amo ajudar pessoas a implementar OKRs.