Durante toda a minha formação familiar, escolar e profissional, eu fui estimulado a crescer dentro de parâmetros determinados de fora para dentro. Deste modo, crescer profissionalmente sempre significou, para mim, atingir as posições dominantes em uma empresa de expressão.

Logo nos primeiros anos de vida profissional senti que não tinha a menor identidade com as exigências feitas a alguém que quisesse assumir as responsabilidades de uma posição de direção nas empresas. Minha primeira reação foi de autodepreciação, por não atender parâmetros externos de qualificação, e somente após anos de tentativas para superar pontos que julgava fracos em meu conjunto de atributos‚ descobri que eu sempre tive pontos fortes que ficaram sublimados.

Embora estes pontos fortes não fossem valorizados para acesso às posições dominantes eram para a resolução de problemas complexos dentro da organização. Ao refletir de forma estruturada sobre o meu projeto profissional verifiquei que se eu continuasse na empresa não teria desafios profissionais que estimulassem o meu crescimento dentro daquilo que gostava de fazer e fazia bem. 

Foi se desenvolvendo em mim a necessidade de uma alternativa profissional mais estimulante e desafiadora, encontrada na atividade acadêmica e na possibilidade de oferecer suporte às organizações sem precisar atuar em sua estrutura formal. Creio que igualmente a minha experiência existem muitas outras. 

Olhando para trás, minha decisão foi acertada, mas gerou para mim e minha família momentos difíceis pelas incertezas da mudança. Embora tenha me preparado financeiramente para a transformação em minha carreira, senti falta de suporte e orientação. Talvez, por essa razão, a gestão de carreira tenha me entusiasmado tanto, ao longo desses mais de 30 anos.

Ao longo desse tempo tive a oportunidade de realizar várias pesquisas, analisar milhares de biografias profissionais e acompanhar o trabalho de profissionais de orientação de carreira.

Sempre tive a intenção de escrever para as pessoas que estão refletindo sobre a sua vida profissional, entretanto, a dinâmica do meu trabalho me conduziu a escrever sobre a carreira na perspectiva das organizações. Espero que através dos artigos desta série, possa estimular as pessoas a refletirem sobre as suas carreiras e oferecer instrumentos para que assumam o protagonismo de seu desenvolvimento.

Apresento a seguir os artigos que irão compor esta série:

  • O que é ser protagonista
  • A importância do autoconhecimento
  • Compreendendo o nosso desenvolvimento profissional
  • Armadilhas profissionais e estratégias de desenvolvimento
  • Propulsores de carreira e sustentação do desenvolvimento
  • Processos de orientação profissional: coaching, counseling e mentoring
  • Ações de monitoramento dos nossos propósitos e do nosso desenvolvimento
  • Gestão das transições de carreira
  • Fechamento de ciclos de carreira e aposentadoria
  • Negociação da carreira com a organização ou com o contexto em que vivemos

A seguir apresentamos o primeiro artigo tratando do que é ser protagonista.

Importância do protagonismo 

O que é ser protagonista em relação ao desenvolvimento e à carreira? É assumir a iniciativa de pensar e construir o nosso crescimento a partir de nós mesmos, ou seja, um movimento de dentro para fora, respeitando o que somos e no que acreditamos. 

A pessoa é escultora de sua carreira quando constrói de forma consciente a sua carreira. A carreira não é uma construção fácil, nós nunca temos certeza do que encontraremos pela frente, a cada passo abre-se um mundo novo e a todo instante nos deparamos com o inesperado.

Muitas vezes nos sentimos tentados a optar pelo caminho mais fácil, normalmente já trilhado por outras pessoas ou aquele determinado pela empresa. Quando escolhemos o caminho já trilhado por outras pessoas, podemos ter vantagens pelo fato de que parte do caminho já está aplainado, mas se não agregarmos o nosso esforço na sua construção e se nos acomodarmos ao que já está traçado, estaremos mais vulneráveis, com maior risco de perdermos a nossa identidade e a nossa felicidade. Quando escolhemos o caminho definido pela organização e nos acomodamos, abandonamos a nós mesmos e passamos de escultores a esculturas.

As pessoas protagonistas tendem a ter uma visão de oportunidades de desenvolvimento para si mesmas e, também, para a organização e para as pessoas ao seu redor, tornando-se mais contributivas para o contexto no qual se inserem e mais valorizadas.

As organizações, gradativamente, vão se dando conta da importância desse comportamento entre seus colaboradores, criando estímulos, condições concretas e critérios de valorização para as pessoas assumirem o protagonismo 

Acredito que há uma pressão crescente para que as pessoas sejam protagonistas como forma de criar um diferencial no mercado de trabalho, mas também para que sejam mais consistentes e coerentes consigo mesmas.

A construção do protagonismo está ao alcance de todos basta olharmos para nos mesmos com honestidade e nos respeitarmos. A partir daí conseguimos enxergar com mais clareza as oportunidades ou as possibilidades de as criarmos.

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Construção do protagonismo

O primeiro passo na construção do protagonismo é nos perguntarmos sobre qual é o nosso grande compromisso conosco mesmos em relação ao que queremos com nossa vida profissional. Dessa forma, se o meu grande compromisso é estar mais feliz profissionalmente no futuro, não sei o que farei daqui a cinco anos, mas sei que farei algo que me trará mais satisfação. Pensando dessa forma vamos paulatinamente construindo nossos objetivos de carreira, definindo o que queremos e o que não queremos.

Na construção do nosso protagonismo temos que ter alguns cuidados. Ao conversarmos com várias pessoas sobre suas carreiras e seu desenvolvimento, observamos alguns equívocos, os mais frequentes foram:

Futuro pensado em bases movediças

Ao pensar em seu propósito profissional muitas pessoas tomaram como base pessoas de seu convívio, a organização onde trabalhavam ou o contexto social, político e cultural. Essas bases são movediças. No futuro com certeza nossas relações com as pessoas e com a organização serão diferentes e o contexto estará completamente alterado.  Para termos uma base estável devemos projetar nosso futuro sobre algo perene, que não mude ou mude muito pouco. A base estável somos nós mesmos, em essência nós mudamos muito pouco.

Em conversa com um diretor de marketing de uma importante multinacional de bens de capital ele me apresentou seu plano de carreira, onde tinha como principal objetivo assumir em cinco anos a posição de Head de Relações Institucionais. Era uma época de grandes fusões e aquisições e mencionei se ele tinha pensado que talvez aquela posição não existisse mais em cinco anos.

Vi a pessoa ficar lívida e passar mal diante da minha provocação, ele não tinha pensado nisso e estava tão obcecado pela posição que não percebeu que estava construindo todo seu projeto em bases movediças. Depois de um pouco mais de conversa ele percebeu que tinha muitas outras possibilidades dentro e fora da organização onde trabalhava.

Dificuldade de sonhar profissionalmente

Algo que sempre me impressionou em todas as nossas pesquisas é o fato do brasileiro ter dificuldade de sonhar em relação ao seu futuro profissional. É comum sonharmos em relação a outras dimensões de nossa vida, mas é difícil sonhar em termos profissionais. Observamos em nossas pesquisas que as pessoas quando se projetam no futuro não ousam, pensam de forma acanhada seu futuro profissional. Nossa hipótese é que o brasileiro tem dificuldade de sonhar sua carreira porque raramente a planeja, raramente exercita se projetar profissionalmente no futuro.

Em nossos trabalhos, junto a consultores de carreira e a profissionais de recolocação, verificamos que as pessoas ao se projetarem no futuro se visualizam realizando atividades profissionais que já vinham realizando anteriormente, no mesmo tipo de organização e em posições semelhantes. Além disso, não conseguem pensar em novos tipos de relação com o mercado de trabalho, onde poderiam assumir vínculos empregatícios diferentes ou poderiam utilizar seu conhecimento de forma diferente.

José Augusto Minarelli, um dos profissionais de recolocação e carreira consultados, relatou-me um caso muito interessante e que posteriormente publicou em seu livro. Havia recebido o vice-presidente de uma grande multinacional demitido por problemas de química pessoal com o novo presidente, era um profissional que havia feito toda a sua carreira em uma empresa do setor tabagista e com um bom histórico profissional. Essa pessoa estava com grande dificuldade para se recolocar no mercado porque não acreditava que tivesse condições de trabalhar em outro tipo de organização que não estivesse ligada ao setor onde atuava.

Para ajudar essa pessoa a olhar para si mesma propôs a ela o desafio de fazer um cigarro de chocolate. Ao imaginar a produção de um cigarro de chocolate se deu conta que poderia utilizar seus conhecimentos em outros setores e após três semanas já tinha várias possibilidades de recolocação profissional. Ou seja, no depoimento desses profissionais, as pessoas são os seus principais algozes quando pensam em se articular no mercado de trabalho por terem uma visão limitada de suas possibilidades.

Esse é o equívoco mais perigoso, quando a pessoa pensa seu futuro de forma tímida, depreciando suas possibilidades e talentos. A pessoa cria para si mesmas restrições que de fato não existem.

Dimensionamento dos propósitos profissionais 

Associado às bases movediças e à dificuldade de sonhar, outro equívoco comum é um dimensionamento inadequado dos propósitos, onde as pessoas se propõem a assumir um papel inadequado às suas características ou para o qual não estão ainda suficientemente preparadas. Um dos casos mais comuns é de bons técnicos ou bons vendedores que querem assumir posições gerenciais atraídos pelo status e/ou benesses ou mesmo por causas mais nobres, como a de trazer melhores condições de trabalho para aquele público, e assumem posições para as quais não têm vocação ou preparo.

Um dos nossos alunos de graduação, com uma boa trajetória no curso, se inscreveu no programa de trainees em uma grande multinacional de bens de consumo. Seu objetivo era ser um gerente de produto e foi aceito no programa. Ao final, depois de 18 meses como trainee, assumiu a posição tão desejada e viu seus colegas de programa deslancharem em suas atividades e ele não. Foi a sua primeira experiência de fracasso e, por isso, doeu muito.

Ao conversarmos sobre a sua experiência, ficou claro para mim que ele não estava na posição mais adequada às suas características. Fizemos alguns encontros e depois conversei com a equipe de RH da empresa e foi decidido, em comum acordo, que ele deveria ter uma experiência na área financeira. Ali ele experimentou um rápido desenvolvimento profissional. É comum as pessoas serem levadas pelo glamour das posições sem olhar para dentro de si e efetuar um movimento de dentro para fora.

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